A história do automobilismo em Brasília começou muito antes de a cidade ter, efetivamente, um autódromo. Essa conexão surgiu durante o planejamento da nova capital, seja através do projeto de desenvolvimento de Juscelino Kubitschek, que incentivou a entrada da indústria automobilística no Brasil, seja pelo planejamento viário e arquitetônico de Brasília, ou mesmo pela paixão dos pioneiros por carros e velocidade.
A primeira menção a uma corrida na cidade é datada de 1958, dois anos antes da inauguração. Segundo o historiador Elias Manoel da Silva, do Arquivo Público do Distrito Federal (ArpDF), a ideia foi proposta a JK por Joaquim Tavares, que era diretor do Departamento de Terras e Agricultura da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap).
Elias Manoel da Silva revela que “a primeira vez que se ventila a ideia de uma corrida em Brasília é durante a construção” | Foto: Geovana Albuquerque/Agência Brasília
“A ideia de realizar uma corrida em Brasília surgiu durante a construção,” conta o historiador. “Em 1958, Joaquim Tavares planejou uma estrada de aproximadamente 120 km, a chamada Avenida do Contorno [hoje Estrada Parque do Contorno, EPCT], uma faixa onde ficam todos os córregos que alimentam o Paranoá. Ele ficou tão impressionado com a faixa larga e ovalada, sem curvas, que decidiu conversar com JK sobre a possibilidade de realizar uma corrida lá,” completa.
Embora tenha recebido a aprovação de JK, a corrida não foi realizada devido à recusa do presidente da Novacap, Israel Pinheiro. No entanto, a ideia provavelmente permaneceu na mente de Juscelino. Entusiasta do automobilismo — ele organizou corridas em Pampulha durante seu período como prefeito de Belo Horizonte —, JK incluiu esse esporte na programação oficial de inauguração da nova capital, organizando o Grande Prêmio Juscelino Kubitschek para encerrar as celebrações em 23 de abril de 1960. “Ele decidiu fechar as festividades com essa corrida, que deveria ser um evento simples, mas se tornou um marco importante para o automobilismo brasileiro,” revela Victor Hugo Tambeline, também historiador do ArpDF.
O trajeto foi escolhido pelo próprio presidente, que rascunhou o percurso em um papel que encontrou no bolso. “É uma cena cinematográfica. Ele tira um envelope, pega uma caneta e diz: ‘Pronto, já sei qual vai ser o percurso’. Ele esboça um desenho com o triângulo, símbolo da Praça dos Três Poderes, e os dois eixos que conhecemos. Assim, o percurso vai da Praça dos Três Poderes à Rodoviária e pelo Eixão Sul, formando um triângulo, com a largada e chegada na Rodoviária, onde todas aquelas pessoas ficavam dispostas,” completa Tambeline.
Dessa maneira, no terceiro dia das festividades da nova capital, 55 pilotos e 47 veículos competiram em três provas, cada uma consistindo de quatro voltas que partiam da Rodoviária do Plano Piloto em direção ao Eixão Sul, passando pela Praça dos Três Poderes e retornando. O grande vencedor foi o paulista Jean L. Lacerda, que pilotava uma Ferrari. Ele recebeu o troféu das mãos de Juan Manuel Fangio, pentacampeão de Fórmula 1 que estava presente para a inauguração da cidade.
Após isso, a capital tornou-se palco de corridas de rua, impulsionadas pelas largas avenidas projetadas por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, como os 500 km e 1.000 km de Brasília, cujas provas eram consideradas algumas das maiores do automobilismo no final dos anos 1960.
“Desde o início, Brasília era uma pista de corrida. Era uma cidade propícia para correr. Naquela época, ainda não havia semáforos ou cruzamentos. Você podia andar a alta velocidade. Foi nesse contexto que surgiram as corridas de rua, sempre próximas da rodoviária e da W3. Brasília se tornou conhecida em todo o Brasil, e depois no mundo, como a cidade do automobilismo e da velocidade,” explica o ex-piloto e jornalista especializado João Luiz da Fonseca.
Contexto Histórico
Essa vocação natural se uniu a fatores políticos e econômicos, assim como ao efeito Fittipaldi — o primeiro piloto brasileiro a vencer uma corrida de Fórmula 1 — para que o automobilismo encontrasse um lar definitivo no centro do país: o Autódromo Internacional de Brasília.
Inaugurado em 3 de fevereiro de 1974, o autódromo começou a ser construído em 1972, durante o governo militar de Emílio Garrastazu Médici e a administração local de Hélio Prates. “Na década de 1970, havia peculiaridades que influenciaram a construção do autódromo. Primeiro, o Brasil estava em um período de boom econômico. Nesse contexto, era muito conveniente criar um autódromo que pudesse oferecer visibilidade internacional. Essa foi uma das principais motivações,” lembra Elias Manoel da Silva.
O historiador também destaca que, em 1972, Emerson Fittipaldi estava em ascensão, o que resultaria no primeiro título do Brasil na Fórmula 1. Essa liderança do piloto foi outro fator decisivo para a construção do autódromo na capital federal. “Tínhamos um herói nacional que simbolizava o que o Brasil mais aprecia: ganhar campeonatos e estar em primeiro lugar. Assim, ao construir o autódromo, não consideramos apenas o contexto do milagre econômico e político, mas também aproveitamos o efeito Fittipaldi, essa liderança e visibilidade internacional para trazer esse prestígio para o nosso país,” acrescenta o historiador do Arquivo Público do DF.
Coincidentemente, Emerson Fittipaldi foi o vencedor da corrida inaugural do Autódromo Internacional de Brasília, uma competição extra que não valia pontos para o campeonato de Fórmula 1. Sua vitória consolidou o sucesso do brasileiro, que, no fim de semana anterior, havia vencido o GP de Interlagos, estabelecendo-se como bicampeão da F1 naquele ano.
Nos boxes do GP de Brasília estava também o maior piloto da história da capital: Nelson Piquet, tricampeão mundial de Fórmula 1, que depois daria nome ao autódromo. Na época, Piquet ainda atuava como mecânico e assistia à competição na equipe Brabham, do argentino Carlos Reutemann, rival de Fittipaldi.
“Foram 14 anos até a consolidação do autódromo. Infelizmente, JK não esteve presente para testemunhar isso. Mas temos um grande volume de histórias, que remontam ao período anterior à construção de Brasília, quase como se o início do autódromo desse espaço para todos esses pilotos e pessoas envolvidas com o automobilismo, porque começamos a viver o momento de ouro do automobilismo brasileiro, com a sequência de Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e, em pouco tempo, Ayrton Senna. Portanto, a história do automobilismo em Brasília é realmente muito rica,” analisa Tambeline.
Detalhes da Construção
“O Autódromo de Brasília estava fechado há cerca de 11 anos, e agora a população volta a ter acesso a um importante espaço de entretenimento que foi palco de grandes eventos históricos e shows memoráveis.”
O complexo automobilístico de Brasília começou a ser desenvolvido no final da década de 1970, quando o Departamento de Estradas de Rodagem (DER-DF), presidido por Cláudio Starling, deu início à construção do autódromo. O projeto, desenvolvido pelo engenheiro Samuel Dias, surgiu a partir de uma pesquisa realizada pela equipe técnica durante o Grande Prêmio da Argentina de Fórmula 1, onde dirigentes e profissionais do automobilismo foram consultados para identificar as melhores características de uma pista moderna e competitiva.
Entre as lições aprendidas, ressaltou-se a importância de um traçado extenso e rápido, conceito que orientou a construção, resultando em um circuito inovador que, há 50 anos, já apresentava dimensões semelhantes às oficiais de hoje: 5.384 metros de extensão. Quase cinco décadas depois, o traçado original passou por sua primeira modernização, com uma reforma estrutural realizada pelo Governo do Distrito Federal (GDF), que investiu R$ 60 milhões.
A reabertura oficial, agendada para o dia 30 deste mês, carrega um simbolismo histórico: assim como em 1974, o retorno das atividades do autódromo acontece poucos dias após o Grande Prêmio de Interlagos de Fórmula 1 em São Paulo. Contudo, desta vez, a Stock Car será a categoria que competirá na pista brasiliense, com a penúltima etapa nacional da temporada 2025.
“Acima de tudo, isso demonstra o compromisso da atual administração em resgatar eventos e locais históricos da história de Brasília. O Autódromo de Brasília esteve fechado por cerca de 11 anos e agora a população retoma o acesso a um importante espaço de entretenimento que foi palco de grandes eventos históricos e shows. Esse resgate é essencial para uma geração que desconhecia a importância do autódromo e o que ocorreu nele; com isso, estamos restaurando uma parte significativa que trará muitas alegrias para o Distrito Federal,” destaca o superintendente do Arquivo Público do Distrito Federal, Adalberto Scigliano.
Colaborou Geovanna Gravia








