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A “Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor” sob minhas observações

Por Hugo Gutemberg

A teoria do desvio produtivo do consumidor, formulada por Marcos Dessaune, insere-se no debate contemporâneo sobre os direitos dos consumidores ao propor o reconhecimento do tempo útil perdido como uma nova modalidade de dano moral indenizável. Este conceito evidencia que, em uma sociedade capitalista, o tempo de cada indivíduo é um recurso finito e insubstituível, que merece proteção jurídica especialmente no âmbito das relações de consumo.

Sob a perspectiva humanista e contemporânea, essa teoria se alinha com o princípio da dignidade humana e com a função social das relações de consumo, conforme previsto no Código de Defesa do Consumidor (CDC). No artigo 6º, VI, o CDC estabelece como direito básico do consumidor a prevenção e reparação de danos morais, conferindo um amparo legal à ideia de que a perda do tempo útil configura violação aos direitos da personalidade.

A teoria do desvio produtivo tem sido amplamente acolhida pela jurisprudência, especialmente pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). No julgamento do REsp 1634851/RJ, a Ministra Nancy Andrighi destacou que o consumidor, ao enfrentar dificuldades na solução de problemas gerados por fornecedores, sofre não apenas o desgaste emocional, mas também uma violação ao seu tempo útil, o que ultrapassa o mero aborrecimento cotidiano. Essa linha foi reforçada no REsp 1737412/SE, no qual a corte reconheceu que o desperdício de tempo imposto por instituições financeiras representa não apenas um descumprimento da boa-fé objetiva, mas também um dano moral coletivo, dada a violação ao interesse social de máximo aproveitamento dos recursos produtivos.

A doutrina também reforça o caráter indenizável desse dano. Gonçalves e Pereira, por exemplo, defendem que o dano moral não é restrito a perdas patrimoniais, mas abrange lesões a direitos da personalidade, como o tempo, que, quando desviado para resolver problemas não causados pelo consumidor, implica sofrimento e frustração.

No entanto, a teoria enfrenta desafios. Primeiramente, não há regulamentação expressa sobre o desvio produtivo no ordenamento jurídico, o que pode gerar insegurança jurídica. Além disso, a aplicação indiscriminada da tese pode banalizar a responsabilidade civil e impactar negativamente a economia ao elevar os custos operacionais dos fornecedores, como apontado no voto do Ministro Luis Felipe Salomão no REsp 1.406.245. Nesse sentido, é necessário um critério rigoroso para distinguir o desvio produtivo indenizável do mero dissabor cotidiano, evitando um uso abusivo da teoria.

Apesar das críticas, a tese do desvio produtivo é uma ferramenta importante para a ampliação dos direitos dos consumidores, especialmente no contexto de sociedades desiguais. Sob uma ótica progressista, a proteção ao tempo do consumidor não apenas valoriza sua dignidade, mas também desafia a lógica do mercado capitalista que tende a subordinar as relações humanas à maximização do lucro.

Logo, a incorporação da teoria do desvio produtivo ao CDC pode ser vista como um passo em direção à justiça social, reforçando o papel do Estado e do Judiciário na defesa dos mais vulneráveis. Para tanto, é essencial que se avance na criação de normas que regulamentem a matéria, conferindo maior segurança jurídica à aplicação da teoria e garantindo que ela continue sendo um instrumento de promoção da igualdade e do respeito à dignidade do consumidor.


*Hugo Gutemberg é Analista de Políticas Públicas e Gestão Governamental do Governo do Distrito Federal, graduado em Gestão Pública, com especialização em Direitos Humanos e Gestão de Projetos, atualmente é acadêmico do Curso de Direito.

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