Onda que pretende combater injustiças e valorizar minorias políticas é criticada tanto por conservadores quanto por setores da esquerda; saiba mais
No ano em que cerca de 2 bilhões de pessoas em dezenas de países irão às urnas, e com a atenção voltada principalmente para o que acontecerá no pleito à presidência dos Estados Unidos, uma palavra do vocabulário norte-americano merece atenção: ser ou estar “woke”. Em tradução livre “desperto”, o termo é usado para denominar pessoas que querem combater injustiças e valorizar minorias políticas, especialmente negros, mulheres e a comunidade LGBTQIA+. E tem gerado embates nas redes sociais, entre intelectuais e, principalmente, na política — um caso emblemático é o do atual governador da Flórida, o conservador Ron DeSantis, que se orgulha de promover uma cruzada contra os “despertos”. “Lutamos contra os woke no legislativo. Lutamos contra os woke nas escolas. Lutamos contra os woke nas corporações. Nunca, jamais nos renderemos à multidão woke. A Flórida é onde o [movimento] woke vai morrer”, declarou em seu discurso de vitória nas eleições de 2022.
Mas o incômodo não está restrito a conservadores ou políticos de direita. No recém-lançado A esquerda não é woke (Editora yiné, 2024), a filósofa Susan Neiman — declaradamente de esquerda — critica o movimento. Para a autora, os woke trocaram o ideal de universalismo (isto é, uma consideração mais ampla da sociedade, que abriga culturas e valores diversos) e se aprisionaram em um modo de pensar tribalista que limita as batalhas políticas. Até Barack Obama, ex-presidente dos Estados Unidos considerado progressista, reclamou em 2019 que a geração atual parece mais concentrada em verificar o grau de “wokeness” (ser desperto) de cada pessoa nas redes sociais do que em lutar por mudanças concretas.
Ao contrário de movimentos sociais ou ideologias que têm suas causas e formas de atuação bem definidas, o movimento woke tem atuação mais difusa, muito focada nas redes sociais, e pode parecer uma versão mais sofisticada do politicamente correto. “Existe uma disputa verbal pela designação das coisas, que é uma disputa incessante. A disputa pelo pronome, pela qualificação. É uma polêmica perpétua, uma guerra sem fim”, aponta o professor de comunicação Wilson Gomes, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), autor de Crônica de uma tragédia anunciada: como a extrema-direita chegou ao poder (Sagga Editora, 2020). Para o professor, essa luta sem caráter universalista faz com que, eventualmente, os grupos comecem a lutar entre si, como se criassem minorias dentro das minorias ou escalas de opressão. “Não tem projeto para depois, o plano é para agora; são todos contra todos e o outro é opressor. Para sustentar isso, é necessário patrulhar a sociedade o tempo inteiro para encontrar opressões ou ‘micro’ opressões”, completa.