A doença de Alzheimer é a forma mais prevalente de demência no mundo, afetando cerca de 55 milhões de pessoas, conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, estima-se que mais de 1,2 milhão de indivíduos convivam com essa condição, e esse número deve aumentar com o envelhecimento da população. O impacto é significativo: além de afetar a memória e a autonomia dos pacientes, gera altos custos para as famílias e para o sistema de saúde.
Em busca de novas alternativas para retardar a progressão da doença, um grupo interdisciplinar da Universidade de Brasília (UnB) está desenvolvendo peptídeos — pequenas cadeias de aminoácidos que formam proteínas e podem ter efeito terapêutico — com o potencial de impedir a formação de placas de beta-amiloide, uma proteína associada ao Alzheimer.
O projeto, apoiado pelo programa FAPDF Learning 2023, é coordenado pela professora Luana Cristina Camargo, do Instituto de Psicologia da UnB. A iniciativa envolve pesquisadores do Instituto de Física, da Faculdade de Farmácia e do Laboratório de Neurofarmacologia, unindo conhecimentos de física, bioinformática, nanotecnologia e farmacologia.
O ponto de partida foi um peptídeo chamado octovespina, extraído da peçonha da vespa social Polybia occidentalis, que é encontrada na biodiversidade brasileira. Esse composto já havia demonstrado eficácia na redução da agregação da beta-amiloide em estudos anteriores.
“Nosso objetivo foi aprimorar a octovespina e aumentar sua eficácia por meio de métodos menos invasivos, utilizando a bioinformática para projetar moléculas mais eficientes”, explica Luana.
Próximos passos
A equipe está avaliando a capacidade de peptídeos bioinspirados, como fraternina-10 e octovespina, na desagregação e antiagregação de fibrilas de β-amiloide. Foi desenvolvido um análogo da octovespina, alterando um aminoácido para melhorar sua absorção pelo organismo. A aplicação intranasal mostrou-se promissora e já resultou no depósito de patente.
Outra inovação foi a alzpeptidina, uma “quimera” molecular que combina elementos da octovespina e de outro peptídeo estudado, a fraternina. Simulações computacionais sugerem que a alzpeptidina pode atravessar a barreira hematoencefálica — um filtro natural que protege o cérebro, mas que dificulta a passagem de medicamentos — e desestabilizar as placas de beta-amiloide.
Os próximos passos incluem testes de eficácia in vitro e em modelos animais, para avaliar se as moléculas realmente bloqueiam a toxicidade da beta-amiloide em células e melhoram funções cognitivas. Para potencializar os resultados, o grupo também utiliza nanotecnologia, manipulando materiais em escala nanométrica para otimizar a entrega e a ação dos compostos no cérebro.
Apesar dos avanços, o projeto enfrenta desafios logísticos e de infraestrutura, como a importação de reagentes, que pode levar de seis meses a um ano, e interrupções no fornecimento de energia que já atrasaram experimentos sensíveis. “A FAPDF cumpriu integralmente o financiamento previsto e mantém um canal de comunicação eficiente, facilitando a gestão do projeto e oferecendo orientações que nem sempre fazem parte da rotina de um docente”, destaca Luana.
Além do potencial terapêutico, a pesquisadora enfatiza a importância de valorizar a ciência nacional e a biodiversidade: “Assim como outras substâncias brasileiras já deram origem a medicamentos, nosso trabalho demonstra que a riqueza natural do país pode inspirar soluções inovadoras para problemas de saúde pública”.
Se bem-sucedido, o estudo poderá avançar para fases clínicas, representando uma nova esperança no tratamento do Alzheimer e destacando o protagonismo brasileiro na busca por terapias avançadas.
A FAPDF tem trabalhado para viabilizar iniciativas que conectam ciência de ponta e potencial de impacto social. Para o diretor-presidente da fundação, Leonardo Reisman, a pesquisa liderada pela UnB é um exemplo de como a produção científica do Distrito Federal pode ter relevância global.
“Trata-se de um trabalho que combina conhecimento científico de altíssimo nível e a riqueza da biodiversidade brasileira para enfrentar um dos maiores desafios de saúde pública da atualidade. Nosso papel é garantir que ideias como essa tenham as condições necessárias para avançar e beneficiar a sociedade”, ressalta.
Com informações da FAPDF.